O transe pode ser o meio pelo qual podemos nos libertar de todas as “camisas de força”, ou seja, condicionamentos culturais, educacionais, sociais, religiosos, morais, psicológicos, que nos impedem de se libertar, de realizar todo o nosso potencial e de alcançar a plenitude do nosso ser.
O transe pode ser a via real para experimentar a vida da nossa alma e o desejo que a anima. É uma experiência subjectiva que tem origem no lugar mais íntimo do nosso ser. É uma experiência que não obedece aos critérios da objectividade científica, não faz parte das ciências da natureza, é uma ciência do homem e da sua dimensão psicoafectiva.
No transe, você se identifica com o aparecimento do seu desejo essencial, abandona o mundo objectivo e se deixa tomar pela corrente da vida que o atravessa. Deixa de pensar, e simplesmente entra no movimento de si mesmo, e nesse lugar íntimo, consigo mesmo, não mais raciocina, entrando em ressonância com a criatividade que fala através de você.
O transe vai dar acesso a um estado de consciência ampliada, onde comungamos com tudo aquilo que nos circunda. É o estado de unicidade. Podemos dizer que essa consciência expandida é essencialmente psicoafetiva. Aqui, a banalidade dos hábitos não mais nos afectam.
Algumas culturas utilizam o transe para entrar em contacto com o espírito da natureza. Na antiguidade o animismo era a “religião” universal dos homens primitivos, através da qual ele entrava em sintonia com a natureza. Experimentar o transe através do ritual de um povo, é conhecer esse povo em seu interior. Esse transe animista utiliza o poder evocativo do sistema límbico para recriar o cordão umbilical que nos religa com os nossos ancestrais, e com as forças da natureza que se agitam no mais profundo de nós mesmos. Através desse ritual e do transe, nós podemos nos posicionar entre o céu e a terra, tomando o nosso lugar na auto-transformação do eterno movimento do vir a ser.
Na tradição afro-brasileira, como candomblé e umbanda, e nos verdadeiros cultos animistas, o pai ou mãe de santo, o xamã ou o médium, em transe comunicam-se com as entidades ancestrais, obtendo deles informações necessárias para assegurar o bem-estar da comunidade.
Actualmente, sabemos que podemos induzir o ser nesses estados alterados de consciência, são técnicas de respiração e relaxamento físico e mental que colocam o cérebro numa vibração de ciclos por segundo, aos quais correspondem a um estado alfa, semi-desperto, ou teta, conhecido como hipnose profunda, sem falar do uso moderado de certas drogas, devidamente dosadas, como as do Santo Daime, e outras.
Nesses estados alterados de consciência, o poder da imaginação e da vontade é tão poderoso que pode se insinuar em qualquer lugar onde não haverá mais o peso dos sentidos e a lógica da razão, que é o limite do homem normal. Portanto, é necessário coragem para abordar o mundo “mágico” que exige mudança de percepção, para que a consciência cognitiva possa ser dirigida correctamente.
Segundo Agrippa, com a mudança do foco da consciência, podemos entrar em um campo onde as leis são diferentes, mas não irreais. Podemos dizer que as religiões foram como que um primeiro passo para o mundo da percepção, onde o sistema moral, dava a estrutura necessária para uma primeira organização no mundo do instinto, da emoção e do intelecto. O segundo passo seria o desenvolvimento e estudo da teologia, da cultura e das artes, para que a consciência possa ter uma visão do mundo terreno mais completa na sua complexidade aparente, o que serviria de preparação para entender os primeiros elementos do mundo perceptivo.
Portanto, o poder naturalmente mágico de alguns indivíduos pode ser conseguido sem o impulso inicial de ervas e drogas, podemos captar e aprender a usar estas técnicas que também permitem romper o esquema do cotidiano e, ao mesmo tempo, rasgar a bolha dentro da qual nós estamos localizados e assim conhecer outras realidades fenomenológicas. Essas técnicas devem ser acompanhadas por um orientador que possa ajudar o aspirante a suportar o abalo da estrutura primitiva, preestabelecida na infância. Também a personalidade deve ser fortalecida para não ser aniquilada pela fenomenologia incrível das novas percepções, onde poderá ingressar em uma forma de loucura alucinatória, quebrando a personalidade, e donde jamais poderá “retornar”.
O caminho do iniciando, o caminho no universo das percepções extra-sensoriais, é um caminho sem retorno, pois uma vez quebrada a bolha e atravessado o espelho, teremos que automática e gradativamente abandonar valores tão queridos da vida cotidiana para poder abraçar o desconhecido. Essas experiências transcendentais são totalmente pessoais, e qualquer pessoa que queira operar na magia precisa saber e conhecer as propriedades da sua alma, a sua virtude, medida, ordem e grau de potencia no próprio universo, para nele localizar-se e nele descobrir a sua função.
O milagre que o mago realiza não é uma violação das leis da natureza, mas sim a sua realização. Deve aprender sobre o mundo elementar, constituído pelos quatro elementos que compreendem todos os objectos e corpos terrestres: sobre o mundo celeste ou sideral; e sobre o mundo intelectual, que por sua vez dirige o terrestre e o sideral.
Portanto, estes são os três centros de força; magia natural ou física; magia celeste ou matemática (astrologia); magia cerimonial ou teologia (Deus, Anjos e Demónios).
sábado, 26 de janeiro de 2008
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