quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

MITOLOGIA PESSOAL - 2ª PARTE

O QUE É UM MITO PESSOAL

Você é capaz de reconhecer um mito pessoal? Poderia vê-lo em imagens?
Ele pode surgir como pensamentos que lhe dizem o que fazer?
Será que o seu coração dispara, se esse mito for desafiado?
Já percebeu como esse mito evolui como uma história, e você é o protagonista dessa história?
Sabemos que a criança tem uma variedade de impulsos, experiências, aptidões, incertezas, ideias, necessidades, temores e anseios. Também sabemos que a criança depende de modelos que existem no mundo exterior para ajudá-la a organizar o seu interior altamente saturado e orientá-lo. Os heróis culturais que a emocionam constituem poderosas influências na organização de sua vida de modo que isto tudo contribui para que consciente ou inconscientemente modele o comportamento dela. Uma vez incorporada essa imagem, a criança passa a ser controlada por ela, por exemplo, nos filmes de cowboy, a imagem do valentão, individualista, durão, personificado antigamente por John Wayne, ou actualmente por Rambo.
O que torna algumas imagens mais atraentes aos olhos da criança, em detrimento de outras, são que algumas dessas figuras são idolatradas pelos colegas e veneradas pela “máquina de fazer mitos” da nossa cultura e que exercem um poderoso apelo. Em termos pessoais, talvez a criança já tenha interiorizado a mensagem cultural, de que os homens devem parecer corajosos e fortes, principalmente se tem um pai omisso. Uma criança mais sensível ver-se-á às voltas com escolhas difíceis.
Os mitos evoluem com o tempo e experimentamos graves crises ao ver-nos forçados a harmonizar a disparidade entre “a forma” como achamos que devemos agir, com quem realmente somos.
Contudo, a imaginação fértil, as crenças complexas, os sentimentos apaixonados e as motivações poderosas vinculam-se a essa estrutura e completam o seu carácter.
Um mito pessoal é uma constelação de crenças, sentimentos e imagens organizadas em torno de um tema central, dentro de um dos domínios onde a mitologia tradicionalmente actua. Aí inclui-se, a ânsia de compreender o mundo natural, de maneira significativa, a busca de um caminho diferente ao longo de sucessivas épocas da vida humana, a necessidade de segurança e de relacionamentos satisfatórios dentro de uma comunidade, e a ânsia de conhecer o próprio papel, dentro da vasta maravilha e mistério do cosmos.
A mitologia pessoal pode ser considerada um sistema de mitos pessoais complementares e contraditórios que organiza o nosso sentido de realidade e orienta os nossos actos.
Os mitos pessoais também respondem às recompensas e punições que recebemos por comportamento ou aparência.
Imagens oriundas das profundezas do ser podem reflectir-se na mitologia.
Em geral, os mitos pessoais são conflituantes. Esse conflito latente pode tornar-se evidente quando as nossas crenças não mais se coadunam com o nosso comportamento.
O grande poder sugestivo das observações carregadas de emoção de um pai ou de uma mãe deixa imagens indeléveis, tais como, você é uma incompetente...
Os mitos pessoais com os quais nos identificamos conscientemente não são as únicas influências em jogo. Os mitos pessoais guardam íntima relação com sentimentos profundos, e se estivermos tão envolvidos emocionalmente com eles, talvez seja até mesmo difícil considerar explicações e possibilidades baseadas em premissas diferentes.
Em suma, os nossos mitos pessoais se relacionam com o nosso passado, com o nosso presente e com o nosso futuro, bem como com a nossa identidade e propósito de vida. Actuam de maneira típica, além da percepção, mas exercem poderoso efeito sobre os sentimentos, pensamentos e atitudes. Se a ”decepção amorosa” é um motivo dominante na nossa mitologia, seleccionaremos parceiros e faremos escolhas que nos levarão por este caminho. São mitos que inibem o nosso desenvolvimento.
Eles são influenciados pelas experiências acumuladas, pela orientação que a sociedade fornece e pelas visões da mente inconsciente.
Resumindo, os mitos pessoais reflectem os mitos da nossa cultura, apesar de serem relativamente independentes em relação a eles. No âmago de um mito pessoal encontra-se um motivo que dá forma às nossas percepções, orienta o nosso desenvolvimento, e determina o nosso papel na sociedade, ajudando-nos a encontrar significado e conexão espiritual.
A mitologia abastece as nossas emoções e talha as nossas crenças. E com essa compreensão, dos princípios através dos quais a nossa mitologia pessoal funciona, teremos condições de participar conscientemente do desenvolvimento dela.


COMO MUDAR A MITOLOGIA PESSOAL

A mitologia pessoal é constantemente desafiada a incorporar informações que contradizem as próprias premissas, a adaptar-se a novas circunstâncias e a desenvolver-se à medida que amadurecemos e acumulamos novos conhecimentos.
Existem diversas maneiras de participar conscientemente da própria evolução e de cultivá-la.
Contudo, há pessoas que passam toda uma vida tentando vivê-la segundo imagens culturais que nunca se adaptam a elas.
“Sempre que um cavaleiro do Graal tentava seguir o caminho do outro, ele se perdia”. Onde existe um caminho ou trilha, existem as pegadas de outrem. Cada um de nós tem de encontrar o próprio caminho, ninguém pode nos fornecer uma mitologia.
Desenvolvendo uma consciência mais profunda das próprias intuições, sentimentos e imagens interiores, adquirimos uma visão mais completa da nossa mitologia interior.
Penetrando de maneira imaginativa e sistemática nas profundezas do nosso ser, abrimos portas para uma visão mais profunda das preocupações diárias, ampliando os horizontes do autoconhecimento e alcançando um poder capaz de nos transformarmos.
A consciência da escolha aumenta muito quando reconhecemos que os padrões indesejáveis da nossa vida são mantidos por mitos não questionados. Se desafiar o mito e se abrir para uma intimidade maior, talvez se surpreenda com as inúmeras oportunidades de intimidade que surgirão pelo caminho.
Como saber quando um mito exige mudança?
Muitas vezes o exemplo de vida dos pais forma uma barreira que encobre a mitologia pessoal ou que se refere ao sucesso ou à realização; quebrar essa barreira constitui importante etapa do amadurecimento. Se conseguirmos reconhecer a dimensão mítica dos padrões que desejamos alterar, conseguiremos trabalhar de maneira mais eficiente com as nossas camadas mais profundas.
A liberdade está no reconhecimento desses temas latentes. Em vez de vivê-los automaticamente, desenvolvemos habilidades para reflectir a respeito deles e encontrar novas opções.
Esses padrões são conhecidos por “complexos”.
1- Complexo de Édipo (complexo de inferioridade, complexo de poder);
2- Complexo de Ícaro (expectativas muito altas onde sobrevêm com a queda, medo e apatia);
3- Complexo de Jonas (medo de realizar o próprio potencial integral).
O gradual aprimoramento da mitologia interior surge a partir do conflito inevitável que irá ocorrer entre as estruturas míticas existentes e as novas experiências. Quando as nossas experiências e mitos não encontram correspondência, duas são as possibilidades básicas de lidar com essa contradição; alterar a nossa percepção dessa experiência ou modificar o mito. Assimilação ou acomodação.
A mitologia também evolui com as nossas crises. Por vezes, mitos estabelecidos são tão fundamentais para a nossa identidade que renunciar a eles, apesar da sua “ disfuncionalidade”, implica um sofrimento que podemos caracterizar como, “pequenas mortes” que enfrentamos ao longo da vida.
Nas antigas escolas de mistérios exigia-se do indivíduo a morte para uma história, a fim de que houvesse renascimento para outra, mais abrangente. Diz-se que o desenvolvimento da alma começa com a ferida da psique causada por uma história mais abrangente. Como a nossa vida é organizada em torno da velha história, a ferida da psique provocada pela história mais abrangente constitui uma crise de amplas proporções. A história mais abrangente tem objectivos mais elevados e pode lançar por terra valores acalentados na antiga história. Ela exige um envolvimento mais integral, inimaginável na antiga história, e engloba áreas da psique que a antiga história temerosamente confiava às sombras.
A história mais abrangente é imensa, além da compreensão, daí a crise que se abate sobre o antigo mito, que não tem necessariamente que deixar uma nova imagem mítica em seu lugar.
“Quando os mitos não servem mais aos transes internos daqueles que os exigem, a transição para mitos recém-criados pode assumir o aspecto de uma viagem caótica ao interior, serão substituídas as certezas externas pela angústia da viagem interior”.
A ferida torna-se sagrada quando nos dispomos a nos libertar das antigas histórias e tornar-nos veículos através dos quais a nova história com o tempo possa emergir. A ferida abre as portas da nossa sensibilidade para uma realidade mais ampla, bloqueada do nosso ponto de vista condicionado e costumeiro. Se não conseguimos abrir-nos a essa realidade mais ampla, repetimos continuamente a velha história.
O mito antigo e o emergente envolvem-se caracteristicamente num embate nas profundezas do seu ser, uma luta entre o moribundo e aquele que se encontra em gestação pelo domínio das suas percepções, valores e motivações.
O ideal será uma síntese entre o mito antigo e o mito emergente.
Dificuldade de tomar decisões, medos e ansiedades desconhecidos, contradições, sonhos intrigantes, perplexidade insistente, ambivalência e até mesmo sintomas físicos tendem a indicar o conflito mítico. É exactamente nas áreas da sua vida em que você encontra maiores dificuldades ou insatisfação que o trabalho com a mitologia pessoal exercerá um maior impacto.

IDENTIFICAÇÃO COM OS PROGENITORES

Fique de pé numa sala ampla, de forma a poder movimentar-se em qualquer direcção.
Encontre uma posição confortável e feche os olhos.
Dê um passo para trás e imagine-se entrando no corpo e no ser do seu pai, se você for homem, ou da sua mãe, se você for mulher.
Permaneça alguns instantes assim, a fim de sentir como seria estar naquele corpo e naquela personalidade.
Quem você é? O que está vestindo? Quem está com você? Recorde-se de uma frase importante.
Dê outro passo para trás e entre no corpo e no ser dos seus avós do mesmo sexo.
Como eles fariam o relato de situações vividas por eles?
Quais seriam as suas maiores preocupações?
Quais seriam as principais fontes de satisfação?
Como compreende a sua posição na sociedade, as suas limitações, os privilégios, as responsabilidades.
Se uma autoridade não humana explica o destino humano, qual é a natureza deste?
Agora, dê mais um passo atrás e assuma uma postura que imagina ser típica desse ancestral. Dramatize essa postura. Você estará reflectindo a respeito das percepções do eu, do ambiente e dos propósitos dessa pessoa.
Agora, dê um passo à frente e volte a ser você. Encontre uma postura que represente a declaração que a sua própria vida está fazendo neste momento.
Ouça esta declaração como uma frase ou expressão real. Pode dizer em voz alta.
Repita essa afirmação.
Experimente um movimento. Exagere esse movimento.
Repouse e reflicta.

Ao identificar-se com esses progenitores, talvez tenha começado a sentir como eles se viam, como compreendiam as situações, o que valorizavam, em quem e no que confiavam.
Essas questões são fundamentais e presentes no âmago da sua mitologia.
Você consegue ver esses padrões a serem transmitidos geração após geração?
Será que você também transmite ou transmitiria esses padrões para os seus filhos?




(Baseado na obra de – David Feinstein e Stanley Krippner)

2 comentários:

Espaço Coaraci disse...

Oi Vera.
Trabalho com mitologia e fiz - parcialmente - um trabalho com o livro de Feinstein e Krippner no ano passado. A idéia é excelente, apenas as técnicas ficaram um pouco datadas, passados quase 30 anos. Mas gostei muito de ver esse tema postado no seu blog.
Lígia
http://ligiaprado.coaraci.net

Unknown disse...

Gostei da maneira como vc abordou o tema.Costuno trabalhar com ele.
Abração,
Ideli